Vygotsky

O PRECURSOR DAS INTELIGÊNCIAS EMOCIONAIS

Ressaltarmos o pioneirismo de Vygotsky na abordagem das emoções e sentimentos, em seu livro Psicologia Pedagógica, fato este ainda pouco ou ainda não abordado no meio acadêmico.
É o que veremos a seguir, em texto escrito 70 anos antes que se falasse em Inteligência Emocional:

“Não sei por que em nossa sociedade formou-se um critério unilateral sobre a personalidade humana, nem por que todos relacionam dons e talento apenas ao intelecto. Além de ser possível pensar com talento, também se pode sentir talentosamente. O aspecto emocional da personalidade não tem menos importância que outros e constitui objeto e a preocupação da educação, na mesma medida que o intelecto e a vontade. O amor pode conter tanto talento e inclusive genialidade quanto a descoberta do cálculo diferencial. Em ambos os casos o comportamento humano adota formas excepcionais e grandiosas.” (VYGOTSKY, 2003, p.122)
1.1 – Breve biografia de Vygotsky
Lev Semenovich Vygotsky viveu apenas 37 anos. Nasceu a 17 de novembro de 1896 em Vygotsky, pequena cidade provinciana da Rússia e “faleceu em Moscou, em 11 de junho de 1934, vítima de tuberculose, doença com que conviveu durante quatorze anos” (REGO, 2002, p.20). Casou-se aos 28 anos, com Roza Smekhova, com quem teve duas filhas.
Completa o curso secundário aos 17 anos e recebe medalha de ouro pelo seu desempenho. De 1914 a 1917 estudou Direito e Literatura na Universidade de Moscou, em 1916 escreve “A Tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca” que em 1925 dá origem ao livro Psychology of Art (Psicologia da Arte), publicada na Rússia somente em 1965 (REGO,2002, p. 21). Em 1925 viaja para o exterior e organiza o Laboratório de Psicologia para Crianças Deficientes. Em 1927 escreve O Significado histórico da crise da psicologia, em 1931 elabora Desenvolvimento das funções psicológicas superiores, em 1932 realiza uma série de conferências em Leningrado. Em 1934 publica Pensamento e Linguagem. (VIVER mente&cérebro, Coleção memória da pedagogia n.2, p.5). Segundo Guillermo Blanck, responsável pela organização, prefácio, comentários e notas da Edição Comentada do livro Psicologia Pedagógica de Vygotsky, temos: “Vygotsky conhecia nove idiomas e possuía um saber enciclopédico. Em 10 anos, Vygotsky passou como um raio pela teoria, pela prática e por instituições oficiais. Produziu cerca de 200 trabalhos de Psicologia e 100 sobre arte e literatura. Dois anos após sua morte suas obras foram proibidas – durante 20 anos – pela ditadura de Stálin... “Em 1980 nasceu o ‘fenômeno Vygotsky’ , que cresceu muito até os dias de hoje. “Vygotsky viu milhares de crianças deficientes. Viajou para Londres para participar da Conferência Internacional para a Educação de Surdos. “Ao regressar para Moscou, sofreu sua segunda internação – um ano de cama -, em condições de extrema precariedade: as camas não eram separadas por nenhum espaço. Vygotsky sofreu um colapso do pulmão e não permanecia de pé sem ajuda. Nessas condições, no hospital, escreveu a monografia O Significado histórico da crise da psicologia.” (VYGOTSKY, 2003, p. 17 e 20)

1.2 –Vygotsky: “A Educação do Comportamento Emocional”
Este é o título do capítulo 6 elaborado por Lev Semenovich Vygotksky em seu livro Psicologia Pedagógica (VYGOTSKY, 2003, p. 113 – 124), onde aborda as seguintes questões:
1.2. 1 – A NATUREZA PSICOLÓGICA DAS EMOÇÕES
Vygotsky questiona como a emoção modifica o pensamento. Sendo a emoção um processo de interação entre o organismo e o ambiente, há três formas de correlação:
· Primeiro pela predominância do organismo sobre o ambiente; as tarefas são resolvidas sem dificuldade e tensão em ótima adaptação com um gasto mínimo de energia e força; ocorrência de satisfação e sensações positivas;
· Segundo quando predomina o ambiente sobre o organismo que passa a adaptar-se com dificuldade e tensão desmedida, e o comportamento transcorre com sua força máxima, grande investimento de energia e o efeito de adaptação será mínimo; ocorrência de sensações negativas de angústia, fraqueza e sofrimento;
· Terceiro quando há equilíbrio entre o ambiente e o organismo, nenhum prepondera sobre o outro, não há disputa; neutralidade emocional no comportamento.
Vygotsky elabora rico material para as nossas reflexões. Quando se refere a ambiente, ele não especifica, generaliza. Pode ser tanto uma cidade quanto uma escola. E é absolutamente natural que tenhamos reações positivas ou negativas simplesmente por que somos diferentes, e não somos obrigados a nos adaptar de qualquer maneira em qualquer ambiente. O que é bom para uns pode não o ser para outros.

Estamos expostos a reações agradáveis e desagradáveis em relação ao ambiente, portanto não precisamos nos lamentar ou comprometer nossa auto-estima por uma eventual falta de adequação, porque – como dissemos – é da natureza do ser humano oscilarmos entre emoções antagônicas.

Devemos entender ambiente são só em termos físicos, mas principalmente psicológicos, quando a afinidade passa a ser um elemento significativo de atração ou repulsão entre grupos que interagem entre si, conforme Vygotsky explica:

“Toda emoção é um chamado à ação ou à rejeição da ação. Nenhum sentimento pode permanecer indiferente e infrutífero no comportamento. “As emoções são, precisamente, o organizador interno de nossas reações, que coloca em tensão, excita, estimula ou freia todas as reações. Portanto, a emoção conserva o papel de organizador interno de nosso comportamento. “Quando fazemos algo com alegria, as reações emocionais de alegria significam que, a partir daquele momento, tentaremos fazer o mesmo. Quando fazemos algo com repulsão, isso significa que tenderemos, por todos os meios possíveis, a interromper essa tarefa”. (VYGOTSKY, 2003, p. 117 – 119)

1.2. 2 – A EDUCAÇÃO DOS SENTIMENTOS
Vygotsky afirma que a educação sempre implica mudanças nos sentimentos e a reeducação das emoções vai na direção da reação emocional inata. Que os professores encontram nos sentimentos uma ferramenta valiosa para educar as reações emocionais.
“Se quisermos que os alunos recordem melhor ou exercitem mais o pensamento, devemos fazer com que essas atividades sejam emocionalmente estimuladas. A experiência e a pesquisa têm mostrado que um fato impregnado de emoção é recordado mais sólida, firme e prolongada que um feito indiferente. Cada vez que comunicarem algo ao aluno tentem afetar seu sentimento. A emoção não é uma ferramenta menos importante que o pensamento.” (VYGOTSKY, 2003, p. 117 – 119)

Vygotsky combate o que ele chama de “desmedido e falsamente inflado sentimentalismo”, estéril e insignificante, que deve ser rigorosamente diferenciado do sentimento.

É excepcional o conteúdo do artigo desenvolvido por Vygotsky oferecendo-nos valiosa contribuição para o estudo das emoções e sentimentos.

Mas o seu trabalho é significativamente mais abrangente, ao tratar a inteligência e a afetividade de igual modo, integrando-os às características sociais em que o homem se insere; traça uma síntese do corpo e mente, ser biológico e o ser social, membro da espécie humana e participante de um processo histórico.

Explica as funções psicológicas superiores – capacidade de planejamento, memória voluntária e imaginação – como mecanismos intencionais e controlados, que se desenvolvem ao longo do processo de internalização das formas de cultura e comportamento., bem como as funções psicológicas elementares, ações reflexas e associações simples de origem biológica.

Traz-nos importantes conceitos sobre a mediação simbólica, a relação do homem no mundo, instrumentos com os quais o homem age sobre os objetos, amplia sua intervenção na natureza e a capacidade humana de conservação e aperfeiçoamento.

A Abordagem sócio-histórica, a mediação simbólica da linguagem e por signos, que são instrumentos psicológicos e agem sobre o psiquismo. A Cultura, a interação social, a importância do meio cultural na reconstrução, pelo indivíduo, dos significados culturalmente transmitidos.

O conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal - a distância entre aquilo que a criança é capaz de fazer sozinha e o que faz com a ajuda de terceiros – estabelecendo bases de Intervenção Psicológica, intra-psicológica e inter-psicológica, mediando atividades em constante interação.
As concepções de Vygotsky sobre o processo de formação de conceitos remetem às relações entre pensamento e linguagem, à questão cultural no processo de construção de significados pelos indivíduos, ao processo de internalização e ao papel da escola na transmissão de conhecimento, que é de natureza diferente daqueles aprendidos na vida cotidiana. Propõe uma visão de formação das funções psíquicas superiores como internalização mediada pela cultura.As concepções de Vygotsky sobre o funcionamento do cérebro humano, colocam que o cérebro é a base biológica, e suas peculiaridades definem limites e possibilidades para o desenvolvimento humano. Essas concepções fundamentam sua idéia de que as funções psicológicas superiores (por ex. linguagem, memória) são construídas ao longo da história social do homem, em sua relação com o mundo. Desse modo, as funções psicológicas superiores referem-se a processos voluntários, ações conscientes, mecanismos intencionais e dependem de processos de aprendizagem.Mediação, uma idéia central para a compreensão de suas concepções sobre o desenvolvimento humano como processo sócio-histórico é a idéia de mediação: enquanto sujeito do conhecimento o homem não tem acesso direto aos objetos, mas acesso mediado, através de recortes do real, operados pelos sistemas simbólicos de que dispõe, portanto enfatiza a construção do conhecimento como uma interação mediada por várias relações, ou seja, o conhecimento não está sendo visto como uma ação do sujeito sobre a realidade, assim como no construtivismo e sim, pela mediação feita por outros sujeitos. O outro social, pode apresentar-se por meio de objetos, da organização do ambiente, do mundo cultural que rodeia o indivíduo.A linguagem, sistema simbólico dos grupos humanos, representa um salto qualitativo na evolução da espécie. É ela que fornece os conceitos, as formas de organização do real, a mediação entre o sujeito e o objeto do conhecimento. É por meio dela que as funções mentais superiores são socialmente formadas e culturalmente transmitidas, portanto, sociedades e culturas diferentes produzem estruturas diferenciadas.A cultura fornece ao indivíduo os sistemas simbólicos de representação da realidade, ou seja, o universo de significações que permite construir a interpretação do mundo real. Ela dá o local de negociações no qual seus membros estão em constante processo de recriação e reinterpretação de informações, conceitos e significações.O processo de internalização é fundamental para o desenvolvimento do funcionamento psicológico humano. A internalização envolve uma atividade externa que deve ser modificada para tornar-se uma atividade interna, é interpessoal e se torna intrapessoal.Usa o termo função mental para referir-se aos processos de: pensamento, memória, percepção e atenção. Coloca que o pensamento tem origem na motivação, interesse, necessidade, impulso, afeto e emoção. A interação social e o instrumento lingüístico são decisivos para o desenvolvimento.

Existem, pelo menos dois níveis de desenvolvimento identificados por Vygotsky: um real, já adquirido ou formado, que determina o que a criança já é capaz de fazer por si própria, e um potencial, ou seja, a capacidade de aprender com outra pessoa.A aprendizagem interage com o desenvolvimento, produzindo abertura nas zonas de desenvolvimento proximal ( distância entre aquilo que a criança faz sozinha e o que ela é capaz de fazer com a intervenção de um adulto; potencialidade para aprender, que não é a mesma para todas as pessoas; ou seja, distância entre o nível de desenvolvimento real e o potencial ) nas quais as interações sociais são centrais, estando então, ambos os processos, aprendizagem e desenvolvimento, inter-relacionados; assim, um conceito que se pretenda trabalhar, como por exemplo, em matemática, requer sempre um grau de experiência anterior para a criança.O desenvolvimento cognitivo é produzido pelo processo de internalização da interação social com materiais fornecidos pela cultura, sendo que o processo se constrói de fora para dentro. Para Vygotsky, a atividade do sujeito refere-se ao domínio dos instrumentos de mediação, inclusive sua transformação por uma atividade mental.Para ele, o sujeito não é apenas ativo, mas interativo, porque forma conhecimentos e se constitui a partir de relações intra e interpessoais. É na troca com outros sujeitos e consigo próprio que se vão internalizando conhecimentos, papéis e funções sociais, o que permite a formação de conhecimentos e da própria consciência. Trata-se de um processo que caminha do plano social - relações interpessoais - para o plano individual interno - relações intra-pessoais.Assim, a escola é o lugar onde a intervenção pedagógica intencional desencadeia o processo ensino-aprendizagem.O professor tem o papel explícito de interferir no processo, diferentemente de situações informais nas quais a criança aprende por imersão em um ambiente cultural. Portanto, é papel do docente provocar avanços nos alunos e isso se torna possível com sua interferência na zona proximal.Vemos ainda como fator relevante para a educação, decorrente das interpretações das teorias de Vygotsky, a importância da atuação dos outros membros do grupo social na mediação entre a cultura e o indivíduo, pois uma intervenção deliberada desses membros da cultura, nessa perspectiva, é essencial no processo de desenvolvimento. Isso nos mostra os processos pedagógicos como intencionais, deliberados, sendo o objeto dessa intervenção : a construção de conceitos.O aluno não é tão somente o sujeito da aprendizagem, mas, aquele que aprende junto ao outro o que o seu grupo social produz, tal como: valores, linguagem e o próprio conhecimento.A formação de conceitos espontâneos ou cotidianos desenvolvidos no decorrer das interações sociais, diferenciam-se dos conceitos científicos adquiridos pelo ensino, parte de um sistema organizado de conhecimentos.

A aprendizagem é fundamental ao desenvolvimento dos processos internos na interação com outras pessoas.Ao observar a zona proximal, o educador pode orientar o aprendizado no sentido de adiantar o desenvolvimento potencial de uma criança, tornando-o real. Nesse ínterim, o ensino deve passar do grupo para o indivíduo. Em outras palavras, o ambiente influenciaria a internalização das atividades cognitivas no indivíduo, de modo que, o aprendizado gere o desenvolvimento. Portanto, o desenvolvimento mental só pode realizar-se por intermédio do aprendizado.

Vygotsky, teve contato com a obra de Piaget e, embora teça elogios a ela em muitos aspectos, também a critica, por considerar que Piaget não deu a devida importância à situação social e ao meio. Ambos atribuem grande importância ao organismo ativo, mas Vygotsky destaca o papel do contexto histórico e cultural nos processos de desenvolvimento e aprendizagem, sendo chamado de socio-interacionista, e não apenas de interacionista como Piaget.Piaget coloca ênfase nos aspectos estruturais e nas leis de caráter universal ( de origem biológica) do desenvolvimento, enquanto Vygotsky destaca as contribuições da cultura, da interação social e a dimensão histórica do desenvolvimento mental.

Mas, ambos são construtivistas em suas concepções do desenvolvimento intelectual. Ou seja, sustentam que a inteligência é construída a partir das relações recíprocas do homem com o meio.

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FONTES: http://www.cursoseducacaoadistancia.com.br/teorias_aplicadas/cursos_a_distancia_vygotsky.htm
http://www.centrorefeducacional.com.br/vygotsky.html